Fui chamada em uma chácara para ver uma carpa Nishikigoi (Cyprinus carpio haematopterus). A carpa apresentava uma alteração na região de cabeça. Logo, percebi que se tratava de um tumor. Ele estava crescendo, atrapalhando sua visão e consequentemente sua alimentação, já que estava entre os olhos do animal. A carpa estava perdendo peso e ficando mais afastada do cardume. Como fazer cirurgia em carpa com tumor na cabeça? Aceitamos o desafio!
Índice
Muita dúvidas surgiram no início
- Como anestesiar uma carpa?
- Qual/quais fármacos usar?
- Como intubar?
- Operar em um hospital veterinário?
- Operar a campo?
- Como retirar esse tumor?
- Qual tumor é?
- Como será o pós operatório?
Me fiz essas perguntas inúmeras vezes antes!
Fazer uma cirurgia em carpa com tumor exigiu um trabalho em equipe
Convidei uma colega, a Médica Veterinária Anestesista Caroline Pagani para me ajudar nesse caso. Foi difícil achar material científico para estudar, já que há poucos relatos de peixes anestesiados no Brasil. Em publicações de outros países, consegui mais informações, mas a maioria dos anestésicos não eram encontrados aqui.
Após muito estudo, enfim decidimos a respeito da anestesia. Para minimizar o estresse da carpa, eu decidi fazer a cirurgia a campo, já que são animais que se estressam facilmente, eu preferi que ela ficasse o menor tempo possível longe do seu lago.
Tudo planejado, material preparado. Vamos iniciar a cirurgia!
Preparei a mesa e os instrumentos cirúrgicos, uma bacia com água e uma bomba d’água com regulagem de fluxo que acoplamos a uma mangueira que foi comprada especialmente para o tamanho da boca da carpa.
Anestesia para a cirurgia em carpa
Quando tudo estava preparado, os auxiliares pegaram a carpa e a pesaram. A anestesista calculou a dose e anestesiou, injetando o anestésico em seu opérculo. Durante todo o procedimento a carpa ficou intubada com água rica em oxigênio. Enquanto eu operava a Dra. Caroline monitorava a anestesia e dois auxiliares nos davam suporte.
O tumor estava em uma local muito complicado
Pela localização do tumor não foi possível tirar com a margem que eu gostaria (o tumor estava encostado em seu olho direito), mas tudo ocorreu bem. Foi feita antibioticoterapia nela e aos poucos ela foi voltando da anestesia. Quando já estava com todos os seus sentidos recuperados, nadando bem, voltamos ela para o lago.
Fibropapiloma, tumor cutâneo benigno
O material retirado foi levado para análise histopatológica e nossa principal suspeita se confirmou. Se tratava de um Fibropapiloma, tumor cutâneo benigno comum em tartarugas marinhas, bovinos e cães, pouco relatada em peixes. É uma doença debilitante e pode ser fatal.
Ainda não está bem elucidada a etiologia (causa) desta doença. Pesquisadores acreditam que vários fatores podem influenciar seu surgimento como a poluição, radiação ultravioleta, infecções bacterianas, contaminantes químicos, mas a principal suspeita é que o vírus herpesvírus, desencadeie este tumor. O aparecimento repentino em novas localidades e a observação da recuperação de alguns animais são fortes indícios de que o causador da doença seja um agente infeccioso.
A mesma doença foi encontrada em tartarugas
A presença do vírus foi confirmada em dezenas de tartarugas marinhas com Fibropapilomatose estudadas pela base de Ubatuba do Projeto TAMAR-ICMBio, onde 100% dos 16 animais estudados tinham o vírus circulante na corrente sanguínea.
Os fibropapilomas podem ser únicas ou múltiplas massas tumorais, seu tamanho pode chegar a 30 centímetros de diâmetro. Em animais de vida livre é geralmente encontrado mais de um tumor. Os fibropapilomas podem estar localizados nas nadadeiras, olhos, base da cauda, regiões da boca, cervical, inguinal e cloacal. Esta neoformação também pode ser observada em órgãos internos, como pulmões, fígado, trato gastrintestinal e rins, podendo resultar no comprometimento do funcionamento destes, por exemplo: tumores no pulmão causando alterações na flutuabilidade e na luz do intestino causando obstruções.
Papilomas cutâneos, fibromas e fibropapilomas
Aproximadamente 25 à 30% das tartarugas que apresentam tumores externos apresentam, também, tumores internos. Este tipo tumoral, quando analisado (histologicamente) pode ser dividido em três tipos de lesões proliferativas: papilomas cutâneos, fibromas e fibropapilomas.
São classificadas como papilomas cutâneos quando há somente uma proliferação do tecido epitelial e representa a fase inicial de desenvolvimento dos tumores. São classificados como fibromas quando há proliferação restrita do tecido conjuntivo subcutâneo e como fibropapilomas, onde observa-se a proliferação de ambos tecidos, indicando uma fase intermediária.
O lago todo estava contaminado
Após o diagnóstico de Fibropapiloma, eu sabia que o lago todo estava com este vírus – herpesvírus, podendo vir a desenvolver esta doença em outros peixes.
Desinfecção com ozônio para lagos
Eu me lembrei que, um dos equipamentos vendidos pela Cubos tem efeito antiviral, antibacteriano, antifúngico, entre outro. Entrei em contato com a Cubos para que me ajudassem nessa terapia suporte com o Ozônio, que além disso ainda iria melhorar a qualidade e cristalinidade da água do lago. Instalamos o equipamento.
O ozônio, é mundialmente usado como terapia das mais diferentes patologias. No Brasil, seu uso ainda é relativamente novo. Ozonioterapia é considerada, uma das mais seguras terapias médicas. Cerca de 250 doenças podem ser tratadas pelo ozônio em humanos, e na Medicina Veterinária seu uso vem crescendo muito, já que na maioria das vezes tem bons resultados com quase nada de efeitos colaterais.
A carpa se recuperou bem do procedimento cirúrgico, voltou a se alimentar e a nadar com o cardume. Após alguns meses ela infelizmente veio a óbito. Fizemos necropsia e macroscopicamente encontramos apenas uma alteração em seu fígado, chamada lipidóse hepática. Então refizemos o manejo alimentar dos outros peixes da coleção.
Fazer uma cirurgia em carpa com tumor na cabeça é um procedimento muito delicado e que deve ser feito somente por profissionais habilitados. Quando feito da forma correta, as chances de recuperação são muito altas.
Amante dos animais desde pequena, decidiu fazer da paixão, profissão. Se tornou Médica Veterinária. O envolvimento com os peixes veio acompanhando o pai que faz construção de lagos ornamentais. Era sempre a primeira a notar quando algum peixe não estava bem. Após a faculdade este olhar clínico só se desenvolveu.
Olá, vi que o texto é de dois anos atrás, mas mesmo assim é recente no que gostaria de comentar.
A anestesia em peixes é bastante comum, em trabalhos de Aquicultura, principalmente acadêmicos, pesquisas e até em produção no melhoramento genético é feita anestesia com óleo de cravo (Eugenol). Bem simples e bastante comum.
O que fiquei com dúvida foi sobre após retirada do tumor, como foi fechada a região? Ou deixou que cicatrizasse sozinho? Apenas aplicando antibiótico como citado.
Obrigado.
Hugo, esse artigo foi escrito pela Carla Arrigucci, segue o e-mail dela para que vocês possam trocar mais informações [email protected] . Abraços,